quinta-feira, 8 de outubro de 2009

A lei da bolha marota


Era um mergulho sem grande história, a duas milhas de São Miguel, numa zona chamada Furnas de Fora. Até que a geóloga Filipa Marques, da Faculdade de Ciências de Lisboa, reparou numas bolhas de ar a acompanhar o robô submarino português, enquanto olhava para os ecrãs com imagens do veículo debaixo de água. Virão do navio, o “Almirante Gago Coutinho”? Ou do próprio robô?
Até a esse momento, a história do mergulho de ontem (quarta-feira), o primeiro desde a partida do cais militar da Praia da Vitória, na ilha Terceira, resumia-se a um fundo de sedimentos. Nada de rochas, aquilo que quem está envolvido no projecto de extensão da plataforma continental portuguesa para lá das 200 milhas tanto quer trazer do fundo do mar. Amostras de basaltos, neste caso, podem ajudar a perceber quando é que o chão do mar deixa de ter as características geológicas dos Açores e passa a ter as características geralmente observadas na crosta oceânica. Quantas mais amostras recolhidas nos Açores, para fazer essa caracterização, melhor. Mais material existirá para comparação. Se a influência das rochas dos Açores se prolongar para lá das 200 milhas (ou seja, da zona económica exclusiva), Portugal poderá reclamar jurisdição sobre essa parte do solo e subsolo marinho.
Também nada de vida marinha exuberante, salvo uma gorgónia, uns camarões esbranquiçados atraídos pelas luzes do robô ou um cardume de pimpins e carapaus.
Como o veículo operado à distância (ROV) aterrou um pouco longe das Furnas de Fora, que é um monte a cerca de 300 metros de profundidade, a certa altura começou a navegar para o local pretendido, tal como o navio a que está ligado por um cordão umbilical. Mas as coisas não estavam a 100 por cento: um dos motores que mantêm a posição pretendida do navio não funcionava. E os ventos e as correntes complicavam tudo, pelo que foi tomada uma decisão: abortar a missão. O robô voltou para o navio e, mais tarde, seria largado num flanco do monte perto do topo.
“Nuno, estás a ver as filmagens?”, perguntou a certa altura Filipa Marques, pelo “walkie-talkie”, ao chefe da missão, o geólogo Nuno Lourenço. Ela encontrava-se dentro do "cérebro" do robô, um contentor no convés do navio, repleto de monitores, de onde o veículo é comandado dentro de água. Ele estava na ponte do “Almirante Gago Coutinho”, de onde se coordenam os movimentos do navio em função do sítio para onde se quer levar o robô. “Milhares de bolhas”, disse-lhe a geóloga.

Várias hipóteses
Cedo a hipótese de terem sido produzidas pelo navio foi excluída, porque as bolhas apareceram quando o robô ainda se encontrava a 26 metros de profundidade. Aprisionadas no robô também não devem ter sido. “Porque são muitas bolhas”, explicou Filipa Marques.
Outra hipótese começou a ganhar forma na cabeça dos geólogos. Estando perto de uma ilha vulcânica, talvez se esteja perante a perda de gases através da crosta terrestre.
Já com o robô no navio, os geólogos reuniram-se no contentor para discutir as imagens. “Vamos ter de mergulhar aqui outra vez, para procurar fissuras que deitem bolhas. Estou convencido de que não são do ROV. Estão muito longe do ROV”, dizia Nuno Lourenço. “O que me perturba é a história da lei da bolha marota.”
Uma bolha que tem uma lei e, ainda por cima, é marota? Na verdade, é a lei que explica o que acontece ao ar comprimido respirado pelos mergulhadores: à medida que descem no mar, as bolhas de azoto dissolvem-se no sangue e nos tecidos, depois se regressarem à superfície depressa demais, as bolhas aumentam de volume e podem causar a morte.
Esta lei que relaciona a pressão com o volume é conhecida pela lei de Boyle-Mariotte ou, como diz Nuno Lourenço a brincar, a lei da bolha marota. A “perturbação” do geólogo vem do facto de o robô ter aterrado a cerca de 600 metros: se as bolhas viessem dessa profundidade, lá em baixo não seriam detectadas por causa da pressão, mas perto da superfície deveriam ser muito maiores do que as observadas. “Estas bolhas são muito pequenas para gás que tenham vindo de 600 metros. Podem estar a ser levadas de uma zona menos profunda”, explicava Filipa Marques.
Para desvendar o mistério, o robô acabou de voltar à água esta manhã, perto do sítio onde terminou a visita de ontem. Acabou de descer agora pela coluna de água e atingir o fundo. Será que os geólogos vão ter as rochas que querem? Será que vão ver a lei da bolha marota em acção?

3 comentários:

JB disse...

Desejo à Filipa e restante tripulação
uma boa estadia e que a "pesca seja frutífera".

JB

nuno disse...

estou a gostar das histórias da expedição.
eu trabalho com bicheza que mora em fontes hidrotermais como as que vocês andam à procura.

desejo-vos sorte! e bom trabalho!

Jose Magalhaes disse...

A Rita Lourenço, filha do geólogo Nuno Lourenço quer saber o que é afinal a lei da bolha marota?
Ela também diz que quem diz e quem escreve têm muita graça. Para quem não sabe, a Rita tem 5 anos.